Minha expectativa com
relação às Minas Gerais não se compara com o que eu realmente encontrei e
vivenciei por lá.
A paisagem urbana
diferenciada, singela de Tiradentes, tinha uma característica colonial.
Prestava atenção no calçamento, portas, janelas, telhados, fachada das casas.
Indagava a mim quantas vidas foram injustiçadas para que se fosse construído
todo esse patrimônio da humanidade, que por contradição, é oriundo de atos
desumanos de escravidão.
Ao caminhar pelas vias
estreitas de Tiradentes – afinal, não foi uma vila modelada para carros ou
outros meios de transporte modernos -, as sensações me inundavam, como se
estivesse numa realidade paralela.
Não tão diferentes foram
essas sensações quando eu entrava em cada Igreja. Trabalhadas internamente em
madeira e com um revestimento suntuoso de ouro – seja esse em pó, em folha ou
líquido – impunham a grandeza da igreja ao mesmo tempo em que sugeria a
singularidade do homem em relação a Deus. A Igreja de São Francisco de Assis,
em Belo Horizonte – o nome da cidade reforça a vista que ela confere devido às
construções belíssimas ali existentes – me provocou um grande impacto: a
ausência daquele ouro, daquelas pinturas, a ausência do horror ao vazio. No
lugar dessas ausências havia a forte presença de influências modernistas: a
simplicidade pomposa, curvas auxiliando nesse aspecto.
Relembrei das igrejas do
estilo do primeiro período do barroco: tantas imagens e esculturas de santos,
cada uma com uma história a contar, mostrar ou representar. A Igreja de Santo
Antônio, em Tiradentes, é considerada a segunda Igreja mais rica do Brasil, ficando
atrás apenas da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, de Ouro preto. Riqueza tanto
simbólica, mas também em relação á sua construção: quase 500 quilos de ouro!
Quando o ciclo do ouro chegou ao seu ápice, a
mão de obra indígena já havia desaparecido: os brancos dizimaram os índios pelo
contato com esses povos e pelas doenças trazidas.
A solução encontrada pelos
portugueses foi de importar a mão de obra negra – inicia-se a escravidão de uma
forma bruta e violenta. Foram os negros capazes de enfrentar a força física com
a força moral, como dizia Martin Luther King Jr. durante os movimentos a favor
do fim da discriminação racial nos EUA? Com
certeza, essa resistência surgiu. Numa cidade onde não havia nada e em questão
de poucos anos tudo surge como cogumelos que brotam da terra, havia a
resistência moral e psicológica dos negros.
A oposição se deu pela
firmação de suas próprias culturas e traços característicos: a capoeira – hoje
vista como uma das artes de luta para a defesa pessoal, mas servia para a
defesa de uma cultura longínqua, que migrou de território e veio entrar em
conflito com outra – e a congada. O que
vale não é o quanto se vive... mas como se vive.
Mas o ouro e o diamante que
brilhavam em Minas Gerais, eram apenas o prognóstico do brilho maior: a luta
pela liberdade. O anseio contido nos corpos, mentes e alma de toda a população.
Como diria Drummond: “A conquista da liberdade é algo que faz tanta poeira,
que por medo da bagunça, preferimos, normalmente, optar pela arrumação”.
Visitar Tiradentes foi voltar ao passado...
Os passos de Cristo que solveria os cristãos dos seus pecados, assim como a
morte de Tiradentes que deu um passo à frente para a libertação da população
brasileira. Sua vontade inundou os corações indomáveis de todos, assim como
ocorreu nas manifestações de junho: o povo em busca de seus direitos.
Na Casa dos Contos entrei nos antecedentes da
Inconfidência. Muita gente no mesmo espaço, o conflito estava formado, só
faltava alguém para tacar fogo no pavio e acender as chamas da revolta.
Contratadores têm suas casas tomadas, a dívida era muito grande, mas a ganância
ainda era maior.
No Museu da Inconfidência, sinto-me
apreensiva: muitas informações ao mesmo tempo, todas aparentemente simples, mas
devem ser analisadas em conjunto, gerando um código enorme, que, decifrado,
compõe os detalhes de toda a trama principal.
Intelectuais, militares, padres, comerciantes
e proprietários abastados se reuniam em locais secretos. Imagino como era a
tensão daqueles ambientes ocultos em que tramavam planos malignos (de acordo
com o ponto de vista metropolitano).
Finalizo o meu pensamento; penso por mais uns
instantes e começo a transcrever todo o rascunho mental que havia feito; lembro-me
novamente dos morros íngremes, que devem esconder mais daquelas pedras
preciosas tão cobiçadas em séculos passados... A segregação racial surgida nos
corações humanos para ambientes sagrados contrariava as pregações de São
Francisco sobre a pobreza, igualdade e simplicidade.
Afinal, como dizia Bob Marley: “Enquanto a cor da pele for mais
importante que o brilho dos olhos, haverá guerra”.
Texto: Lara Judith
Palavras-chaves: Minas Gerais, Tiradentes, período colonial, Igrejas, Casa dos Contos, Museu da Inconfidência, intelectuais, militares, padres, pedras preciosas.
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