sábado, 9 de novembro de 2013

Conexões


Por trás de cada pequeno detalhe destas encantadoras paredes, uma história. Não é uma história como aquelas de conto de fadas, onde tudo termina no “viveram felizes para sempre”. Pelo contrário, pelos interiores ovais das igrejas, que eram feitos de madeira, depois revestidos ouro – seja este trabalhado em forma de folhas, pó ou até mesmo líquido-, continha a história de um povo: que fora amaldiçoado pela cor de sua pele, tendo que fazer trabalhos subversivos - o trabalho escravo.

A própria Igreja em seu âmbito externo indicava uma segregação racial: eram poucas as que permitiam o contato entre negros e brancos (estas eram chamadas de Matriz), havendo assim, igrejas para negros e igrejas para brancos.

A ideia de preconceito e racismo nas próprias instituições católicas é muito contraditória: afinal, Deus não ama seus filhos, independentemente da cor da pele, da condição social e do lugar que vieram? Afinal, qual o sentido de ser devoto a São Francisco – o santo que fez votos de pobreza, igualdade e simplicidade- e as Igrejas serem pomposas e formadas por processos de segregação?

Mesmo com toda essa separação, os brancos não são superiores que os negros, apesar de acharem isso. Claro que, em questão de suntuosidade e investimentos, os brancos não pouparam esforços para deixarem suas igrejas com um brilho interno colossal. Basta entrar na Igreja de São Francisco de Assis (ou em outra qualquer) para perceber a quantidade vultosa de informações.

Adornadas com esculturas e pinturas do estilo Barroco, nenhum espaço ficava imune, confirmando-se o horror ao vazio. Imagens sugeriam que as pessoas deveriam ser “caridosas como um pelicano”; uma excelente acústica proporciona a fala sem a necessidade do uso de microfones.

Porém, a religiosidade sentida numa igreja de brancos é diferente da igreja de negros. Só de saber que escravos ali estiveram, uma sensação ruim percorria em nossos corações. É certo que todas se baseiam na fé, algo imaterial; contudo, numa igreja destinada aos brancos, o olhar se perde em tantos detalhes, o que vai tirando o foco principal. Por sua vez, a igreja de negros é mais simples – não desprovida de ouro, nem detalhes, nem pinturas: porém tudo com uma singeleza tocante -, o que se aproxima mais do que pregava São Francisco e faz com que os rituais que naquele espaço ocorram sejam de profundo coração.

Havia também a Igreja Matriz: aquela onde todas as irmandades poderiam se encontrar para discutir certos assuntos, como os investimentos que seriam feitos para a manutenção do local sagrado.  Não havia questionamentos quanto à ajuda que todos prestavam à igreja. Em troca desse auxílio alcançariam bens maiores: o direito de serem enterrados em solos sagrados e as missas especiais (como a de santificação).

Irmandades são grupos independentes (ainda existem) de leigos que se reúnem para a devoção de um santo. As ordens religiosas (como a franciscana, jesuítica e beneditina) não existiam nas Minas Gerais, pois deveriam ser fiéis ao Vaticano, mas esse não conseguia administrar todas elas, porque na era da exploração do ouro, todas as vilas estavam subordinadas a Portugal. Isso explica a ausência de ordens religiosas e a forte presença de irmandades e ordens terceiras.

Nas igrejas dirigidas por irmandades dava-se para perceber que estas igrejas eram muito mais simples do que as igrejas de ordens religiosas, por conta de seu acabamento, pinturas quantidade de ouro, esculturas, entre outros.

Apesar de ser uma Igreja Matriz – local em que, na teoria, não haveria separação de classes e todos são iguais -, ainda é possível identificar os estratos sociais. Nestas igrejas não havia bancos, portanto as pessoas ficavam de pé reunidas em seus grupos sociais: mais próximo ao altar ficava a elite enquanto que perto do nátex (parte mais longe do altar-mor) ficavam as classes dos trabalhados, artesãos ou escravos.

Saindo um pouco deste assunto de separação racial, observando os afrescos era possível perceber o conceito de céu e inferno. Bastava olhar para os desenhos de Mestre Ataíde na parte interna da cúpula da Igreja de São Francisco de Assis. Claro, calmo, eterno: o céu. Tudo que viesse contra esses três preceitos seria o inferno, tudo contrário a Deus.



Portanto, não importa o luxo interno ou externo das igrejas, das construções colossais que são: o que realmente importa é a conexão de cada um com o Transcendente, com Deus. 

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